Encontra-se em discussão na Câmara dos Deputados para votação o texto substitutivo ao Projeto de Lei, que institui o novo Código Comercial que foi originalmente concebido com os objetivos de reunir sistematicamente princípios e regras de direito comercial, simplificar normas sobre a atividade econômica e preencher certas lacunas legais, mas, acabou desviando-se de seus propósitos, introduzindo dispositivos que alteram ou, de algum modo, afetam a Lei de Recuperação de Empresas (LRE).

Esses dispositivos podem ser divididos em três grupos: princípios aplicáveis à falência e recuperação de empresas; acréscimos e alterações pontuais da LRE; e disposições sobre “falência transnacional”, ocorre que as disposições pertinentes ao direito das empresas em crise, longe de solucionarem os problemas existentes, criam outros piores.

A maior parte dos princípios enunciados no projeto de lei, como inerência ao risco da atividade empresarial, impacto social da crise da empresa e transparência, já permeia o sistema atual e sua inserção em um Código é desnecessária. Além disso, outros princípios orientadores da Lei de Recuperação de Empresas e fundamentais, como separação entre empresa e empresário, retirada do mercado das empresas não recuperáveis e maximização do valor dos ativos, sequer foram mencionados.

Por outro lado, o Projeto de Lei contém artigos que inadequadamente prescrevem como os princípios devem ser interpretados, reduzindo-os a regras jurídicas e limitando o papel da doutrina, da jurisprudência e dos demais operadores do direito.

Em segundo lugar, as alterações propostas à LRE tratam de aspectos pontuais envolvendo comitê de credores, composição das classes na assembleia geral e extensão dos efeitos da falência. Todavia, assuntos que realmente demandam aperfeiçoamento não foram abordados, como alienação de ativos, financiamento, recuperação especial para micro e pequenas empresas, gestor judicial, cram down e recuperação extrajudicial.

Não bastasse isso, muitas das alterações propostas são inconvenientes e sem técnicas, como a reunião, em uma mesma classe, de credores com garantia real e privilegiada; a possibilidade de o sindicato aprovar prazo de pagamento superior a um ano para credores trabalhistas na recuperação judicial; ou, em caso de rejeição do plano de recuperação judicial, a possibilidade de decretação de falência pela assembleia geral de credores, competência exclusiva do juiz.

Ainda, o Projeto de Lei “esqueceu-se” que, desde 2014, existe uma classe de credores micro e pequenas empresas, a qual foi desconsiderada na alteração do respectivo artigo.

Por último, o regime de “falência transnacional”, além de destoar da Lei Modelo da UNCITRAL sobre Insolvências Transfronteiriças, adotada por diversos países, desestimula o investimento estrangeiro, ao prever que o “titular de crédito não executável no Brasil” será pago somente após os credores quirografários.

Ao rebaixar o crédito estrangeiro com base na qualidade de seu titular e não na sua natureza, o dispositivo desvirtua a ordem de pagamento dos credores na falência e cria discriminação totalmente injustificável e imprópria, especialmente em momento no qual o país carece de investimentos.

Ademais, o Projeto de Lei autoriza o Ministério Público a pedir a falência da subsidiária brasileira quando a matriz no exterior tiver sua falência decretada, a despeito de sua condição econômico-financeira ou dos pressupostos objetivos para o pedido. Também, cria conceitos novos para fins de classificação do processo falimentar transnacional como principal ou secundário.

Finalmente, o texto prevê a aplicação das normas da “falência transnacional”, com as adaptações cabíveis, à “recuperação judicial transnacional”. Porém, esse dispositivo foi realocado sem a devida adaptação redacional, fazendo referência a um capítulo estranho à matéria, em total descuido no trato com o assunto.

Em suma, as disposições referentes às empresas em crise constantes no Projeto de Lei são assistemáticas, problemáticas, ineficientes, não solucionam os grandes problemas da LRE e, principalmente, aumentam a insegurança jurídica, portanto, devemos nos cercar dos devidos cuidados.