Considerando o que esta disposto na Constituição Federal, inciso XXXII do artigo 5º, e na Consolidação das Leis do Trabalho, parágrafo único do art. 403, o Decreto nº 5.598/05, que regulamenta o contrato de Aprendizagem, PROÍBE O TRABALHO DO MENOR APRENDIZ EM AMBIENTES DE RISCO (insalubres e perigosos).
Lamentavelmente, em nosso entender em total afronta à Magna Carta e o espírito da Lei, tem sido entendido que as empresas devem preencher a cota por meio da contratação de jovens na faixa etária entre 18 e 24 anos (art. 11, parágrafo único, do Decreto nº 5.598/05) ou pessoas com deficiência, a partir dos 18 anos, sendo-lhes garantida a percepção do adicional respectivo relativamente às horas de atividades práticas.
Todavia, algumas empresas no exercício de seu objeto societário, exige a prestação de serviços em ambientes insalubres e perigosos, nos quais NÃO É PERMITIDA A PERMANÊNCIA DO MENOR APRENDIZ.
A legislação protege o trabalho do menor de forma especial. O inciso XXXII do art. 7º da Constituição Federal, que estabelece os Direitos Sociais, dispõe:
Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXXII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz.
A CLT destina um Capítulo à proteção do trabalho de menores de idade, os quais compreendem aqueles de 14 a 18 anos, que não tem capacidade plena.
“Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. “(NR).
“Parágrafo único. O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais a sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a freqüência à escola. ”
A Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – é voltada à proteção especial desses menores. O art. 2º dessa norma considera criança a pessoa que tem de 0 a 12 anos incompletos e adolescentes, de 12 a 18 anos de idade.
O art. 5º, inciso II da Constituição Federal:
“II – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” (grifamos)
A lei que dispôs sobre os Contratos de Aprendizagem e alterou dispositivos da CLT, de nº 10.097/00, nada dispõe quanto a alternativas para a proibição ao trabalho do menor em local considerado de risco, por insalubridade ou periculosidade.
Dispõe o art. 428 da CLT, com redação dada pela Lei nº 11.180/05:
“Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação.
Sucede que o Decreto nº 5.598/05, que regulamentou o Contrato de Aprendizagem, referido pela CLT, assim determina:
“Decreto 5.598/05 –
Art.9º – Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.
Art. 10º –
§ 1o Ficam excluídas da definição do caput deste artigo as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do inciso II e do parágrafo único do art. 62 e do § 2o do art. 224 da CLT.
Art. 11. A contratação de aprendizes deverá atender, prioritariamente, aos adolescentes entre quatorze e dezoito anos, exceto quando:
I – as atividades práticas da aprendizagem ocorrerem no interior do estabelecimento, sujeitando os aprendizes à insalubridade ou à periculosidade, sem que se possa elidir o risco ou realizá-las integralmente em ambiente simulado;”
Portanto atualmente sob os olhos da Lei e da Delegacia Regional do Trabalho, as empresas devem preencher a cota por meio da contratação de jovens na faixa etária entre 18 e 24 anos (art. 11, parágrafo único, do Decreto nº 5.598/05) ou pessoas com deficiência, a partir dos 18 anos, sendo-lhes garantida a percepção do adicional respectivo relativamente às horas de atividades práticas.
Como é sabido, excepcionalmente, é permitida a contratação de aprendizes na faixa de 14 a 18 anos nesses ambientes, desde que não incida uma das hipóteses do art. 11 do Decreto nº 5.598/05 e mediante adoção de algumas medidas:
A) obter parecer técnico circunstanciado, assinado por profissional legalmente habilitado em segurança e saúde do trabalho, que ateste a ausência de risco que possa comprometer a saúde e a segurança do adolescente, a ser depositado na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego da circunscrição onde ocorrerem as referidas atividades (Decreto nº 6.481/08, art. 2º, § 1º, II); e/ou O que é preciso saber para contratar o jovem aprendiz
B) optar pela execução das atividades práticas dos adolescentes nas instalações da própria entidade encarregada da formação técnico-profissional, em ambiente protegido (art. 23 do Decreto nº 5.598/05).
Merece ser destacado que esta permissão (Artigo 23, Decreto nº 5.598/05) se refere às empresas que desenvolvem atividades insalubres, perigosas ou penosas, cujas atividades práticas do curso de aprendizagem devem ocorrer em ambiente simulado, evitando-se que o aprendiz esteja submetido àqueles riscos.
Sendo qualificadas para ministrar cursos de aprendizagem as instituições abaixo relacionada, desde que possuam estrutura adequada ao desenvolvimento dos programas de aprendizagem, possibilitando a manutenção da qualidade do processo de ensino, e possibilitando acompanhar e avaliar os resultados, como preceituam os artigos 429 e 430 da CLT.
a. Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI);
b. Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC);
c. Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR);
d. Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT);
e. Serviço Nacional de Cooperativismo (SESCOOP).
Dispõe o art. 59 da Constituição Federal:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I – emendas à Constituição;
II – leis complementares;
III – leis ordinárias;
IV – leis delegadas;
V – medidas provisórias;
VI – decretos legislativos;
VII – resoluções.
Do contido no artigo supra mencionado, verifica-se que o processo legislativo não compreende a elaboração de Decretos.
Assim considerando, há que se fazer distinção quanto ao significado jurídico de Lei e Decreto, espécies que integram o presente assunto.
As leis estabelecem direitos e obrigações, enquanto os decretos costumam ser o “modus faciendi” das leis que foram aprovadas; por sua vez, as portarias objetivam possibilitar a execução das leis, através do detalhamento do procedimento a ser observado pelo agente.
A criação das leis está inserida na competência do Poder Legislativo e é sempre dependente do processo legislativo, nos termos do art. 59, e seguintes da Constituição Federal.
O Decreto está inserido na competência do Presidente da República, nos termos do art. 84 da Constituição Federal:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(…omissis…)
IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
Havendo conflito normativo entre normas de hierarquia diversa e não se verificando a prevalência de qualquer um dos enunciados legais, surge o fenômeno da antinomia real, o qual deverá ser solucionado por meio dos Princípios Gerais de Direito, positivados nos artigos 4º e 5º do Decreto Lei 4.657, de 04/09/1942 (LICC), robustecidos pelo artigo 126 do Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 11/01/1973). Cabendo ao julgador, norteado pelos Princípios Gerais do Direito, buscar a solução que melhor atenda aos anseios sociais à fórmula mais justa.
E, quanto aos critérios para interpretação das leis, os ensinamentos da Professora Maria Helena Diniz, verbis:
“A ordem jurídica prevê os seguintes critérios para a solução de antinomias no direito positivado, a saber:
I-Hierárquico (lex superior derogat legi inferiori), tido como o principal dos critérios.
II-Cronológico (lex posterior derogat legi priori). Quando se tratar de conflito de normas pertencentes ao mesmo escalão;
III-Especialidade (lex specialis derogat legi generali). Critério aplicável para o caso concreto.”[1]
Pela análise das regras gerais de hermenêutica jurídica acima referidas, que compõem um conjunto harmônico, conclui-se:
a) no direito brasileiro, o sujeito somente pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa “em virtude de lei”, não podendo o Decreto ou Portaria, ainda que expedidos para explicar referida Lei e possibilitar sua execução, criar ou estabelecer direitos ou deveres, modificar ou inovar o determinado em lei. Cabe aos decretos e normas complementares somente explicitar e especificar o que a lei dispõe, sem alterar ou revogar, direta ou indiretamente, o que nela é prescrito;
b) na omissão da Lei, o Juiz deve decidir os casos que lhe forem apresentados com base nos Princípios Gerais de Direito, primordialmente com base no Princípio da Legalidade.
A Lei nº 10.097/00, ao alterar dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, dispôs quanto à obrigatoriedade da Contratação de Menores Aprendizes, todavia, não dispôs sobre alternativas às empresas cuja atividade é desenvolvida essencialmente em ambiente de risco, tal como a Autora.
O Decreto nº 5.598/05, cuja finalidade é somente explicar o modus faciendi da Lei nº 10.097/00, inovou ao determinar, no inciso I do art. 11, que na impossibilidade de a empresa elidir o risco de insalubridade ou periculosidade, a atividade da aprendizagem deverá ser realizada integralmente em ambiente simulado.
Entretanto, referido Decreto não tem força de lei e não pode inovar, criando deveres e obrigações às empresas, que acarretem despesas extraordinárias!!! Questiona-se: Não deveria o Decreto nº 5.598/05 ter disposto quanto aos ônus para a manutenção da aprendizagem em ambiente simulado? Não deveria referido Decreto ter disciplinado quanto à fonte de custeio para instalação de ambiente simulado para a empresa?
“Data venia” entendemos ser despropositada e ilegal a reiterada praticada das Delegacias Regionais do Trabalho de exigirem que as empresas que atuam em locais perigosos e insalubres, e que as funções de seus empregados também sejam perigosas e insalubres, inclusive algumas vezes em locais de SEGURANÇA NACIONAL.
Por esta razão acreditamos que os Poderes Legislativo e Executivo devam rever suas posições com a máxima urgência.
Contudo até que tais providências sejam tomadas, é uma lastima que as empresas continuem sendo pressionadas e assediadas, inclusive sofrendo aplicações de multas e até mesmo procedimentos judiciais.
Assim, somos da opinião que as empresas que se encaixem na equivocada exigência, caso sofram algum tipo de fiscalização e ou solicitação no que diz respeito ao Aprendiz, devem procurar o Poder Judiciário visando obter um pronunciamento expresso sobre a necessidade ou não de tais contratações.
[1] DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 87.