Embora seja, em alguns momentos, o não pagamento de verbas trabalhistas seja um fato inevitável, não se pode esquecer que a legislação que regulamenta esses pagamentos prevê consequências jurídicas para a conduta omissiva do empresário, seja ela intencional ou não.
Do ponto de vista civil, há consequências punitivas, como juros e multas, que, entretanto, não afligem nada mais que o patrimônio da empresa. As consequências, portanto, são meramente patrimoniais.
Contudo, do ponto de vista penal, a situação é mais delicada, porque pode envolver além do patrimônio (com pagamento e multas) como até a liberdade do empresário. E, aí, a consequência se mostram bem mais contundente.
Vejamos de forma didática o que prevê a legislação penal para uma das três hipóteses acima apontadas (1º – salários, 2º – FGTS e 3º – contribuições previdenciárias).
- Salários: O crime seria de retenção dolosa de salário. A Constituição prevê – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa”.
No início, tentou-se enquadrar no crime previsto no art. 168 do Código Penal – Apropriação Indébita. Contudo, com o passar do tempo a Justiça Criminal entendeu como equivocado tal enquadramento, porque até o pagamento do salário, o dinheiro é do empregador. E, para apropriação indébita o dinheiro teria que já ser do empregado neste momento anterior ao pagamento (para que, passada a data do pagamento, sem este ser feito, ocorresse a inversão da posse requerida para a apropriação indébita).
Atualmente, passados mais de 34 anos de promulgação da Constituição, ainda há tentativas de enquadrar em outros artigos do Código Penal, como o 203: “Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.”
Mas não há fraude propriamente dita (ex.: iludir o empregado), tampouco violência (ex.: coação física ou psicológica) na conduta de não pagamento do salário. É apenas uma omissão do empregador, ainda que voluntária.
Na hipótese de não pagamento intencional de salários, portanto, embora ainda ocorra tentativas de enquadrar a conduta do empregador em um ou outro tipo de conduta penal, é fato que em face do previsto no artigo 5º da Constituição, não é possível: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Há, de qualquer modo, um Projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados, que poderá, se aprovado, criando o seguinte tipo de conduta penal:
“Retenção de salário: Art. 203-A. Reter indevidamente, no todo ou em parte, salário, remuneração ou qualquer outra retribuição devida ao empregado: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.”
Este Projeto de Lei está parado na Coordenação de Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados desde 18/06/2019 sem previsão de andamento próximo.
- FGTS: No tocante ao FGTS a situação é parecida com a hipótese de retenção de salários, na qual vimos que a ausência de uma regra penal específica tem livrado empregadores de processos criminais.
Há defensores da aplicação do art. 168-A do Código Penal: “Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.” Entretanto, há três entraves para esse raciocínio.
Primeiro, o FGTS não é contribuição previdenciária, mas sim uma verba pertencente ao empregado, que fica sob custódia obrigatória do Estado, sendo liberada na rescisão sem justa causa, com culpa recíproca ou em hipóteses legais extraordinárias (ex.: tratamento da AIDS – Lei n. 8.036/90, art. 20, inc. XIII).
Segundo, o FGTS não é devido à Previdência Social, nem à Fazenda Nacional. Como dito, é devido ao empregado, e o Estado somente o arrecada, guarda e administra.
Terceiro, o FGTS não é recolhido pelo contribuinte, no caso o empregado, mas pago diretamente pelo empregador.
Portanto, até que se crie uma lei com a descrição do tipo penal de conduta, o não recolhimento de FGTS não é crime. E não há notícias de projetos de lei nesse sentido.
- Contribuição previdenciária: Aqui a situação é delicada, porque há o mencionado na lei – Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”
E ainda há o artigo 337-A do mesmo texto de lei: “Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”
Aqui temos a possibilidade de configuração de crime, seja pelo não repasse da contribuição cota-parte do empregado, seja pelo não pagamento da cota-parte do empregador.
A pena, em ambos os casos, é a mesma – 2 a 5 anos de reclusão, mas cada conduta é um crime autônomo, ou seja: se o empregador deixa de recolher tanto a cota-parte do empregado, como a sua cota-parte, comete dois crimes e não somente um. As penas se somam, o que pode tornar ainda mais delicada a situação.
Entretanto, como se trata de assunto extenso, exporemos no próximo artigo as consequências processuais-penais deste fato acima tratado, bem assim como o Judiciário tem tratado a questão da aplicação da lei penal acima citada.